sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008


Não sabia quando bater na porta
e muda parecia ao longo dos dias,
apenas quando de fronte baixa sussurrava:
"- Sim, senhor! Não , senhora!''
era o que de sua voz reconheciam.
Lá ao longe, nos aposentos recanteados
resmungava seus dias,
e contava as migalhas conseguidas com suor.
Não era mais senzala,
já não havia escravidão
Mas, a pobre negra continuava subordinada
limpando o mesmo chão.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008


Visto agora uma capa negra.
Não que eu ache bonita, não que eu goste.
Porém, é a que melhor combina com o estado de invalidez que consome célula por célula desse meu corpo.
Deito-me sobre um caixote velho a fim de apreciar dias outroras.
Deixo que vãs sentimentos me corroam e permito expor grandes cicatrizes.
Não tenho medo de morrer, apenas medo do que me mata.
Rabiscando umas últimas frases, volto o olhar para os versos de Augusto dos Anjos e percebo o quanto identifico-me, talvez ele os tivessem feito para mim.
Então lê-se sobre o epitáfio: " Verme, este era seu nome de batismo."

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Microconto.



Cansada das mesmices diárias, Maria das Dores decidiu atirar seu
"fardo-vida" da janela do apartamento. Pensou, pensou e quando arrependida da
decisão percebeu o quanto era tarde. Lá estava o corpo morto sobre o asfalto
quente. Lá estava Maria das Dores, estribuchando seus dias. Lá estava Maria
agora já sem dores.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008


'será?

Mais uma vez sozinha. Jogada no sofá, maquiagem borrada de lágrimas, rodeada de bebidas e bitucas de cigarro. Televisão no último volume, rádio ligado, relógio despertando e campainha tocando. Ele chegou? Não, o jornal.



declaro que:

Respiro meu desejo. Não sei ser meio termo. Vejo aquilo que não existe. Sinto aquilo que quero. Meu pensamento me persegue. Tudo me atordoa. Me cobro, me dobro, machuco e me mato. Mesmo assim, continuo esperando por alguém que não vem.



verdade

Pessoas que amam sem correspondência, têm músicas para sofrer mais ainda. Feitas para isso, especialmente para chorar, elocubrar e curtir a solidão. Elas acreditam nisso piamente. Pessoas apaixonadas colocam música para o outro ouvir e dizem: essa dor é minha.



ele

O silêncio gritava dentro dela. Cansada das palavras, todas gastas, quando ele foi embora, não derramou uma lágrima. Ficou ali, sentada, sem sentir nada. O vazio preenchia tudo. Em suas veias já corria a certeza de que a cicatriz já estava pronta, antes mesmo da ferida ser feita. Ela o amava solitariamente e ainda continua a amá-lo, mesmo depois do monóxido de carbono que inalou ao esperar ele voltar. Sim, ali, sentadinha no carro, dentro da garagem.



assim na terra como no céu

Ela não pensou, entrou em casa direto pro banheiro. Abriu o armário e procurou desesperadamente pela lâmina de barbear mais afiada. Olhou uma por uma. Analisou-as de maneira metódica. Cortou-se de maneira singela. De um pulso ao outro. Agora ela não sofre mais por ele. Agora ele não tem mais dó dela. Mais fácil levar flores ao seu túmulo, do que amá-la em vida. Enfim só. Como sempre.'

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008


'Porque caminhando nos dirigimos a algo
Ao desconhecido que nos faz palpitar o andar
Ao olhar que nos afaga o espirito
Ao esboçar de um sorriso que nos rega a alma de esperança
Na certeza de que até na escuridão o poderemos encontrar
Basta acender a luz.'



So just keep on walking....

domingo, 3 de fevereiro de 2008


É Carnaval. Dias voláteis. Hora de espantar os fantasmas, as raivas e deixar que nossas alegrias desfilem pela avenida. Ninguém é de ninguém. Eu não fui sua e você jamais ensaiou passos de frevo na minha passarela. Apenas se disfarçou de bom moço, quem nada quer e tudo precisa, e me deixou descompassada, na esbórnia de uma rua qualquer. Nunca quis adereços, purpurinas ou serpentinas. Somente queria a sua companhia. Como pirata, pierrot ou marinheiro só... só meu. Porém o brilho das lantejoulas cegou nosso olhar e nossos lábios se secaram à espera de um beijo tão espumoso quanto as brincadeiras de salão. E assim, nos perdemos no mar de corpos eufóricos que nos levou a outros blocos. Eu, Chiclete com Banana (mais banana que chiclete, com certeza); você Expresso 2222... ou seria o contrário? Ora, que importância faz agora, se o sem fim de cabeças em roupas diminutas com atitudes audaciosas ocupam nossos pensamentos e desejos? Ah! Desejos! Como uma bela marchinha carnavalesca que se repete a cada ano! Desejos das ausências de meu ser, onde a máxima expressão de felicidade é a alegria entre muitos. Descontração, sorrisos marotos e picardia. Desejos, também, de sambar contigo em algum beco sem-saída para, quem sabe, um dia ser a porta-bandeira de momentos inesquecíveis. Enfim, para bem ou para mal, logo vem a quarta-feira de cinzas e tudo voltará a ser o que era antes. Mas até lá, esquecerei de ti para tomar conta de mim. Afinal, é carnaval e não sei porque tantas vontades secretas afloram nessa época fugaz! Seria pela magia das plumas, confetes e paetês? Ou pela sedução dos olhares estranhos entre tantos outros na multidão?