domingo, 30 de novembro de 2008

Ressurreição.


Demorei dias degustando o silêncio nos pratos vazios, numa mesa posta que tardava a ser retirada, porque já não permitia que movesse um músculo para a realização de minha tarefas diárias.
Os móveis cobertos de poeira, a cama desarrumada. O resto de café na xícara, já estava sendo rondado por moscas e formigas.
E continuava sentada, em estado imóvel no chão do box, sentindo frio e calor, deixando-se derreter, petrificar. Tentando convencer meus músculos, meu corpo, minha alma que essa ausência não era maior que eu, apesar dela me consumir, me deteriorar.
Então me prendi dentro de minha gaiola, aprisionei-me por não saber mais viver livre. Porque ser livre consistia em Ter a capacidade de escolha, e esta eu tinha permitido que qualquer outro alguém fizesse por mim.
Mas, dias atrás quando olhei para mim, não consegui achar o que realmente era, fui. Apenas estava alí - uma escrava de minhas próprias futilidades, uma escrava do trabalho, do marido, da casa sem filhos, uma escrava dos sonhos que sufoquei, da vida que não permiti que fosse vivida.
E quando andava pela calçada apressada em chegar ao trabalho e assumir a postura da profissional extremamente competente, esquecia-me de voltar o olhar para o mundo, para as belezas do mundo. Fazendo de mim, mais um dos milhares seres patéticos existentes.
E anos se passaram, eu perdi meu marido par uma jovem mais nova, mais bela e interessante, perdi meu cargo alto na empresa, porque existiam pessoas bem mais qualificadas para assumir tal postura, perdi meus amigos, porque nenhuma semente dá frutos se não forem regadas e adubadas e eu esquecia de cuidar do meu jardim.
Foi quando percebi que todas as coisas que consegui armazenar até agora, não serviram de absolutamente nada. Cheguei a ter inveja do mendigo na calçada; Ele conseguia ser mais feliz do que eu.
Subi a escadaria do meu prédio, já que tempo tinha suficiente e cansaria, eu precisava de cansaço, eu precisava sentir dor, pra buscar nas entranhas do meu fracasso a razão de começar alguma coisa novamente.
Entrei no meu apartamento que apesar de ser apenas composto de 4 cômodos era gigantesco pra mim. Vi um mundo totalmente desfragmentado na minha frente. Móveis, paredes, pinturas, santos. Já nem fé conseguia Ter.
Despi-me, liguei o chuveiro e sentei no chão frio, desejando que aquela água caindo fosse o suficiente pra apagar de dentro de mim esse mar negro, ou que ao menos eu me afogasse de vez.
Passaram, horas, dias, e eu alí tentando purificar uma alma perdida, tentando cantar alguma coisa, mas nem voz eu tinha. Pensando em pedi ajuda a um Deus, mas achando-me pequena demais para ser ouvida, imunda o suficiente para Ter as preces elevadas aos céus.
E me lembrei dos momentos da infância, do cachorro com quem brincava, dos amigos com os quais compartilhava sonhos e aflições, onde estariam eles agora?
Entrei numa espécie de transe que me dominava, me fazia ir além de qualquer fronteira real, como se eu entrasse em contato com qualquer outro mundo. Por um instante pensei ser efeito das doses de uísques que tinha tomado a mais, mas estava lúcida o bastante, ainda que com uma espécie de tranqüilidade absoluta, como se aquela água realmente tivesse o poder de purificação.
Adormeci por alguns minutos e despertei assustada com a água caindo sobre meu corpo.
Levantei e envolvi-me com a toalha. Vesti uma roupa qualquer e saí. Andei, e comecei apreciar o dia, o sol, as árvores, sentei a beira da praia e deixei-me abraçar pela brisa. Finquei meus pés na areia e brinquei de descobrir desenhos em nuvens. Sorri sozinha, durante todos esses anos tinha-me privado de sorrir de mim e da vida. Ah! Como é bela a vida, e eu não enxergava.
Passaram-se as horas o sol se pôs, no céu deu lugar a lua crescente, a comparei a mim, crescendo perante as reviravoltas de um mundo que me pareceu tão injusto, e que só mais tarde fui perceber que injusta era eu comigo mesma.
Passei a noite alí mesmo, sentindo o vento, sentindo o cheiro do mar. Sentindo-me como uma adolescente irresponsável. Mas, estava feliz assumindo tal papel.
Na manhã seguinte voltei ao meu apartamento. Troquei os móveis de lugar e percebi que a muito tempo minha vida tinha permanecido igual aquele apartamento, sem mudança, cheio de velharias e carregado de poeira. Senti que precisava abrir a janela de minha vida, para deixar que entrasse por ela muitas partículas de coisas boas e duradouras.
Voltei a buscar Deus, hoje não necessariamente em templos, igrejas e religiões. Encontro meu Deus na terra que piso, no ar, no perfume das flores, na beleza de cada manhã, em mim e em tantos outros. E sendo assim consigo dá mais valor as coisas que passam por mim, pelas pessoas que vem e vão da minha vida. Procuro vivê-las intensamente, porque em algum momento elas partem, e só depois nos damos conta de quão importante elas eram.
Aprendi que felicidade é um estado de espírito mas, que pode ser duradouro se quisermos e fizermos que seja.
Basta que contemplemos nossa vida de uma forma diferente. Com amor, gratidão, dignidade, sabendo que os bens materiais se acabam mas, só o aprendizado e os sentimentos que temos ficarão para sempre.
Hoje, depois de muito tempo consegui ser o que eu sonhei. Minhas economias permitiam que eu vivesse do ócio por muito tempo ainda, mas, eu não as queria como sustento. Fui readmitida e tenho me dedicado muito ao meu emprego, mas agora é diferente, porque agora eu me amo e por isso consigo amar as coisas da vida também.

sábado, 22 de novembro de 2008

Pensou que nunca acabaria mas, deveras acabou.
Parecia irremediável quando tardava os dias a chegar.
Mas, veio e levou consigo um pouco de tudo que se foi, que aconteceu.
Agora já não é.
Agora adormeceu.
Agora não existe infinito.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

rotina.

Era aquele inferno diário, ele chegava abria o livro e gritava a página. Nós éramos uns 30 e nos inquietávamos à leitura do conteúdo.
Falava, falava repetindo sua sequência ilimitada de fala. Não era como os outros que nos motivava e enriquecia-nos e faziam de nós seres dotados de raciocínio e não apenas receptores.
Estávamos alí, apenas para sermos moldes daquele ser que colocava-se diante de nós com tamanha soberania. Estávamos, para ingerir tudo que nos era imposto. Para sermos fantoches e miniaturas.
Aquele era um inferno diário, ele chegava, abria o livro e gritava a página...

domingo, 9 de novembro de 2008

Metafóricamente


Somos aranhas construindo teias-vidas;

Ora soberanas em seu ordenar de fios

Ora cientes de que são apenas aranhas.